quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O Dia Em Que Me Trajei de Branco e Deixei Clarear

Não sou crítico de teatro, portanto não esperem ler aqui uma crítica especializada. Sou ator, em início de formação, tampouco avaliarei técnica interpretativa. O que deixarei neste breve texto serão impressões de um espectador. E, na condição de espectador, tentarei expor livremente sentimentos.

Vinha, há algum tempo, acompanhando o êxito do espetáculo Deixa Clarear, de Márcia Zanelatto, no Rio de Janeiro, e a vontade de conferir já tomava conta de mim. Fiquei radiante quando vi que seria apresentado no encerramento da programação de aniversário de 68 anos do SESC, no Teatro SESC Centro, em Goiânia.

Trajei-me de dois tons de branco, colar e pulseiras e fui ao teatro. Estava ansioso, fã incondicional que sou de Clara Nunes. Uma parada no caminho, duas cervejas para relaxar, uma boa conversa, e é chegada a grande hora. Entro no teatro já na expectativa, já nervoso, já sorrindo. Sim, eu estava feliz, parecia que tudo ia ser maravilhoso.

Começa a peça. Entra uma menina - novinha, pequenina, branquinha, loirinha - e começa a encenar uma Clara criança. Mas não só Clara criança a moça interpreta, ela faz do seu corpo e da sua voz a casa de vários personagens. A platéia ri, eu rio, e já começo a ser enredado pela atmosfera de Deixa Clarear.

A moça se apresenta, é Clara também, Clara Santhana, que de nome tão longo só faltou o 'Orleans e Bragança'. Encanto-me com sua versatilidade e prossigo em meu abrir de alma. Clara, de pequena, cresce e me mostra Clara Nunes.


O texto se desenha, e se poetiza, e se envolve de música, e se banha de brancos. Os mais belos e profundos sentimentos saem pelos poros e insistem em fazer eriçar até o último fio de cabelo. É involuntário. Já não há volta, Clara Nunes e seu sorriso estão diante dos meus olhos. Olhos esses que marejam e sorriem, e que querem a todo momento eternizar aquele instante. Intensidade, leveza, e a prova de que ambos podem coexistir, de que quando isso é possível a beleza transcende.

A dança de Clara, o sorriso de Clara, o sentimento de Clara, todas as cores que têm os brancos de Clara, a Claridade. As palavras somem, os pensamentos se esvaem, só consigo sentir. Sentimento bom, indescritível, inenarrável. Não estou mais em mim, mas sinto. Arrebatamento. Clara dá licença a Iansã, e Oyá vem linda, rápida, intensa e se apresenta a mim como o vento forte que leva e junto com a tempestade me lava as máculas. Calmaria. Águas, corredeiras, rios e mares correm seus caminhos e me ensinam que o importante é continuar. Sempre em frente.

Clara clareia e os dois tons de branco que eu vestia parecem ter absorvido todos os seus brancos, toda a sua luz. Deixa Clarear é mesmo um clarear de alma. É muito mais que uma peça musical, é uma sessão de tratamento do espírito.

Acaba a sessão e eu continuo sorrindo, não mais como antes. Leve. Intenso. Agora sorriem com meus lábios, minha alma e meus olhos. E hoje o que tenho a dizer a todos os envolvidos nesse projeto é 'apenas': Muito obrigado e Axé!